E quem quiser, que aplauda de pé.

Respeitável público, o circo chegou!
E o palhaço que vos fala, que tanto ri, sorri e faz palhaçada, hoje, chora por dentro. Chora por um domingo em que a República fora posta sobre a mesa do Itamaraty e com sarcástico sorriso do agressor de terno, violentada. Um domingo em que o não-fui-eu, o fui-mas-esqueceram e o estupra-mas-não-mata saíram vitoriosos. Não, hoje não tem piadas, meu senhor. Hoje tem pena. Pena de uma nação que exige a cirurgia dos três Poderes, mas esquece-se que, na verdade, o paciente é o próprio médico.
Respeitável público, o circo mudou. O leão da verdade acua-se num canto da jaula pelo cajado do voto popular. O mágico disfarça cassações e sentenças, e o mais incrível de tudo: as perdoa. Transforma corruptos em vitimados, como num passe de mágica. “Abracadabra!” - grita alguém ao fundo. Mas isso não tem nada de mágico. É truque. Não é que o elefante não saiba da sua força. Simplesmente desistiu de lutar. Chuta a bola e graciosamente abaixa sua cabeça, para que seu domador anão, monte em seu lombo. Não, hoje não tem piadas, meu senhor. A anestesia do “saco cheio” entrou em nossas veias. O inconformismo transformou-se em conformismo. O intervalo entre a revolta imediata e seu consecutivo perdão tem, data para expirar tão certa quanto a validade de um pote de palmito.
E hoje tem marmelada? Tem, sim senhor. No nosso picadeiro a mulher barbada vem na carcaça de um homem e à sombra de um representante do povo. E que povo é esse, Deus meu, que não percebes lobo em pele de cordeiro? O nosso circense não põe medo no público, pelo contrário, o seduz. Trapezistas em Ministérios tapeiam a platéia, Bolsas Família enchem a pança de futuros votos, enquanto anões dão cambalhotas em discursos presidenciais melosos, para disfarçar a poeira que fora levantada. Não, meu senhor. Hoje não tem piadas.
Lembro-me quando menino. Adorava o circo. Lembro dos nossos caras-pintadas. Lembro da Avenida Paulista, local em que hoje trabalho, recheada deles. À minha mãe, perguntava perante a inocência da idade: “É festa, mamãe?”. E quem diria, quatorze anos depois, o aniversariante voltou. O defunto nem bem esfriou e, os antes marginalizados, já estão na gandaia de novo. E bem longe do velório.
Já ouvi extremistas levantarem a bandeira da volta da ditadura. Ou da revolução armada. Não creio. Ainda acredito sim, na democracia. Porém me borro inteiro de dizer, assim, numa mesa de bar. Não quero ser caxias da turma. A Alice, no País das Maravilhas. “Ás armas!” – esbravejo em voz alta. E sempre me pergunto se alguma garota da mesa percebeu que sou, na verdade, um democrata. Que vergonha.
Mas como uma vez disseram, o espetáculo não pode parar. E o circo chega da forma mais humilhante possível. Pela democracia. Foi o povo quem fez. Fui eu que fiz. Dessa vez os animais não foram domesticados pelo chicote. Parece que o Mito da Caverna que Platão tanto falava não era tão mitológico assim. Assustados e com medo, preferimos a negação do óbvio à indagação de uma mudança insegura. O medo fez com que em outrora, tomássemos a pílula azul de Morpheus. E diante de uma segunda oportunidade, repetimos a dose. É a indigesta política do Pão e Circo versão Tupiniquim. Sinto muito, meu senhor, hoje não tem piadas. Não saberia fazê-las. Não hoje.
Respeitável público, o espetáculo começou. É isso. Podem jogar os tomates.